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UM GRUPO DE FOCALIZAÇÃO Modelo para um novo tipo de Processo Grupal

UM GRUPO DE FOCALIZAÇÃO
Modelo para um novo tipo de Processo Grupal

MARION N. HENDRICKS
Illinois School of Professional Psychology

SMALL GROUP BEHAVIOR, Vol. 15. No. 2, May 1984 155-171
Copyright 1984 Sage Publications, Inc.

 

Tradução: Prof. Ms. João Carlos Caselli Messias

 

Focalização como mudança terapêutica, baseada no trabalho de E.T. Gendlin et al. é aplicada em uma configuração grupal. São apresentados exemplos do processo de focalização evocando uma sensação corporal sentida das situações e problemas, bem como exploradas as implicações e usos do método.

A Focalização é descrita como um processo essencial na mudança terapêutica (Gendlin, 1981). Na focalização, uma pessoa silenciosamente tenta discriminar a sensação corporalmente sentida de uma situação ou problema. Quando alguém atenta aa sensação sentida e pergunta "o que há nessa sensação", então palavras e imagens emergem dela. Essa pessoa elabora uma serie de questões internas, e espera por uma simbolização que emirja diretamente de sua própria experiência. A partir de diversos passos como esses, há geralmente uma distinta mudança de sensação (felt shift). O que estava fechado e obscuro se abre e muda. Esta mudança de sensação concreta e corporal consiste num processo positivo de mudança de personalidade. A focalização está conceitualmente relacionada com a variável "nível experiencial" (EXP), sobre a qual muita pesquisa tem sido feita (Klein et al., 1970). Alta experienciação correlaciona-se positivamente com resultados bem sucedidos em psicoterapia. A focalização é um processo de alta experienciação. Ensinar a focalização pode aumentar o nível experiencial e aumentar a possibilidade de mudança terapêutica positiva em psicoterapia.

Para ilustrar este processo, um trecho gravado de uma sessão de ensino de focalização individual é apresentado. Pelo fato do cliente ser novato em termos do processo, cada passo das instruções é claramente trabalhado junto às respostas do cliente. Este é o tipo de processo que foi então adaptado ao formato grupal e reportado neste artigo. A transcrição começa após breves instruções de relaxamento terem sido dadas [1].

 

T1: Perceba o que surge, mas não entre em nada agora [pausa]. Apenas aceite o que surge, perceba, e coloque isso de lado. Eu quero que você mantenha alguma distancia daquilo que vai surgindo aa medida em que você direciona sua atenção para dentro. [pausa] Mantenha algum espaço entre você e aquilo que surge - perceba isso e coloque de lado. É como clarear um espaço para você mesmo - um amplo espaço onde você pode sentir-se bem. [pausa] Se você perceber qualquer coisa que impeça você de se sentir bem, eu gostaria que você pegasse o que quer que isso possa ser e apenas colocasse de lado. [pausa] Você poderia então se perguntar: "Eu realmente me sinto bem agora?” - e se houver algo que ainda esteja no caminho, eu gostaria que você pegasse isso e colocasse de lado. [pausa] Então ha aquele amplo espaço livre onde você se sente bem. [pausa] À medida que você se sentir pronto, eu gostaria que você fizesse uma lista das coisas que você colocou de lado. [15 segundos de silêncio] Quais eram algumas das coisas que você percebeu e que colocou de lado enquanto dirigia a atenção para o seu interior?

C1: [pausa] Problema que estou tendo com meus pais - coloquei de lado - problema, problemas que estou tendo no trabalho - coloquei de lado [pausa] e esses sentimentos eu realmente tinha, e precisava coloca-los de lado.

T2: OK, então os problemas que você esta tendo com os seus pais bem agora, assim como alguns relacionados com o trabalho vieram aa sua atenção.

C2: Certo.

T1: Este é o primeiro passo do processo de Focalização: Clareando o Espaço.

 

T3: OK, nesse espaço livre que você abriu para si mesmo, eu gostaria que você escolhesse um desses problemas e que o pusesse la. Você não vai entrar nele - apenas escolher com qual você gostaria de trabalhar desta vez - com qual você se sentiria mais confortável para trabalhar agora. [O cliente começa a dizer alguma coisa e o terapeuta o interrompe] Não vá para isso agora - apenas o coloque no espaço livre.

C3: OK, Eu apenas coloco o problema com os meus pais no espaço livre.

T3: Foi solicitado ao cliente (C.) que escolhesse um problema para focalizar.

 

T4: OK [pausa] Eu gostaria que você esquecesse palavras, pensamentos e imagens agora e apenas perguntasse a si mesmo: "qual é a sensação desse problema?". Pense em uma qualidade de sentimento - focando na sensação global do problema - você pode perguntar a si próprio: "essa qualidade de sentimento se parece com o que?". Não estamos falando de pensamentos agora, eu sei que antes eu disse pense, mas eu gostaria que você colocasse os seus pensamentos de lado agora e deixe apenas que seu corpo sinta como o problema, como um todo, é. Ocupe quanto tempo for necessário e entre em contato com a experiência global do problema [pausa]. Resguarde-se de palavras e da figura agora e apenas permita-se experienciar como é a sensação global do problema. [13 segundos de silêncio]

C4: Eu acho que toquei em um sentimento

T4: A terapeuta (T.) está instruindo o cliente a deixar que se forme uma sensação corporalmente sentida do problema com seus pais. Perceba que ela dirige sua atenção a como ele está experienciando exatamente agora esse problema em particular no seu corpo. Ela não está interessada nos pensamentos dele acerca do problema. Na ultima sentença, T. está conduzindo C. em direção a uma sensação sentida, porem pré-verbal do problema como um todo. Esse é o segundo passo.

 

T5: OK, agora que você tocou esse sentimento, pergunte ao seu corpo: “como é esse sentimento?” Você diz que tocou em um sentimento – talvez você tenha tocado essa qualidade de sensação da qual pergunto.  Eu gostaria que você esperasse um momento enquanto deixa uma palavra ou imagem emergir do sentimento no qual você tocou. Não virá dos seus pensamentos – a palavra ou imagem virá do sentimento no qual você tocou. À medida que você experiencia essa sensação do problema como um todo, você pode se perguntar “o que há de pior nisso para mim?” e deixar uma palavra ou imagem emergir desse sentimento. [30 segundos de silêncio].

C5: [suspiro] Bem, o sentimento que eu tive era dor.

T5: T. agora instrui C. a deixar que palavras ou imagens venham diretamente dessa sensação sentida imediata do problema com seus parentes. Fazer a si mesmo esse tipo de perguntas internas ajuda o cliente a dirigir sua atenção ao nível corporal e o encoraja a esperar uma resposta emergir. Este é o terceiro passo. Repare no silêncio enquanto C. atende diretamente à sua sensação sentida, em lugar de ficar especulando ou descrevendo o que ele já conhece a respeito do problema.

T6: OK, por que você não se coloca - dê a você mesmo alguma distância do sentimento. Pegue o problema e coloque-o de lado, fora de você. Você está aqui e o problema está lá. (C: Uh-hum). Você não está nele – você tem alguma distância dele. Você não está afundando no sentimento. Ele está a alguma distância de você. E apenas entre em contato com ele, mas você pode ter alguma perspectiva dele, e então veja o que emerge do problema.

C6: [Pausa] OK – Eu vejo dor por todo lado como um resultado; você sabe, em termos desse problema. Não apenas minha própria dor, mas a dor dos outros que estão envolvidos. Eu vi isso mais claramente quando eu me coloquei um pouco de fora, [C. falando muito baixo] à distância. (T: OK...) Veja você, quando eu mantinha o problema em si, ele parecia mais um problema meu, mas quando eu o olhei à distância, pude perceber que o problema não é só meu, mas dos outros que estão envolvidos também.

T6: T. não quer que C. entre em um processo de catarse ou que afunde em um sentimento ruim. Nenhuma dessas opções seria Focalização. Ela quer que a implícita complexidade sentida do problema forme palavras ou imagens.

T7 - OK, como a palavra dor lhe surge, eu gostaria que você conferisse essa palavra em comparação com aquele sentimento e que veja se ela se encaixa.

C7: [silenciosamente] Sim, encaixa.

T7: Ela pega o “gancho” – a palavra dor – e verifica. Esse é o passo quatro do Processo de Focalização. Essa palavra realmente capta a qualidade diretamente sentida do problema?

T8 -OK, hum… A palavra dor combina com o sentimento com o qual você entrou em contato – o que você sente em seu corpo quando você põe a palavra dor em contato com o sentimento?

[8 segundos de silêncio]

T8: Ela não está satisfeita com essa afirmação verbal e quer que ele veja se há uma resposta corporal que diga “sim, essa é a qualidade desse problema”.

C8: [Pausa] Bem, eu meio que sinto... [pausa] eu não sei... de algum modo eu me sinto como bem. Eu fui capaz de... eu identifiquei algo... eu finalmente... eu acho, identifiquei o que é que está me incomodando a respeito desse problema... e eu acho que é a dor que está sendo infligida a todos que estão envolvidos. E também a dor que está sendo infligida de um por um... por todos... por cada um envolvido. E eu acho... [pausa] eu não sei... de alguma forma me faz sentir bem por dentro, pois esse é um dos problemas mais duros que eu já tive que enfrentar... sempre.

T8: Um traço típico e curioso da Focalização é ilustrado aqui. Ainda que o conteúdo que emirja (dor) seja estressante, o desdobramento em palavras (ou imagens) da versão corporalmente sentida do problema faz a pessoa sentir-se bem. O que está de fato vago, estressado, tenso na experiência de C. com seus pais está começando a se tornar mais claro.

 

A terapeuta e o cliente agora praticamente completaram uma rodada de Focalização. A terapeuta então vai para o passo cinco do processo, perguntando:

 

T9: OK, agora que você pegou a palavra dor, você poderia ver o que vem detrás dela? Pergunte ao seu corpo da mesma maneira que você perguntou antes – e veja o que surge.

 

 

Teria sido bom se a terapeuta também tivesse dito “pergunte a você mesmo: o que há nessa sensação toda de dor? Qual é o ponto crucial dessa sensação toda de dor com os seus pais? Então espere e veja quais novas palavras ou imagens surgem diretamente da sua sensação corporal dessa dor como um todo”.

É claro que esse é apenas o passo inicial desse problema, mas ilustra claramente a forma do Processo de Focalização. Para uma compreensão mais completa da técnica, o leitor pode ler o livro de Gendlin Focusing (1981), que apresenta a teoria desse processo como sendo central para a mudança de personalidade (Gendlin, 1964).

A Focalização tem sido utilizada primeiramente em psicoterapia individual. Com objetivos de ensino e demonstração, as instruções de Focalização têm sido, às vezes, dadas a grupos de pessoas. Em um ambiente como esse, algumas pessoas parecem capazes de focalizar imediatamente, mas para outras, isso faz pouco sentido. Neste artigo é discutida a experiência de um grupo de Focalização como um modelo para um novo tipo de pequenos grupos. A intenção é a de que cada membro possa seguir no processo descrito acima simultaneamente e então poder partilhar sua experiência. Este pode ser um formato de ensino eficaz, mas o mais importante, gera um tipo particular de experiência de grupo. Este grupo particular de Focalização surgiu no contexto do CHANGES, uma comunidade terapêutica de intervenção em crises dirigida pelos alunos de graduação da Universidade de Chicago em benefício de outros alunos e membros da comunidade. Inicialmente o grupo foi concebido para ensinar a Focalização para pessoas que estavam tendo dificuldade em aprende-la. Entretanto, um poderoso processo grupal logo se desenvolveu à medida que as pessoas começaram a focalizar em conjunto regularmente. A estrutura descrita aqui é facilmente combinada com outros métodos grupais ou adaptável a grupos para tarefas específicas. Eu a usei em várias combinações incluindo grupos para redução de stress em uma escola de medicina e grupos de treinamento para o corpo clínico em ambientes hospitalares.

BASE TEÓRICA

Um grupo de Focalização consiste numa estrutura interpessoal que permite a cada membro uma focalização interior e articulação da experiência. Em nosso meio social atual, o comportamento esperado e os padrões emocionais geralmente falham em ajustarem-se à experiência. Nossas rotinas interpessoais geralmente parecem bloquear a vida sentida. Por exemplo, supõe-se que casamento seja capaz de permitir a intimidade, mas algumas pessoas descobrem uma nova liberdade nas relações apenas após o fim da estrutura matrimonial. Quando uma graduação é obtida ao final de 15 ou 20 anos de uma estrutura escolar formal, algumas pessoas se tornam mais livres para ler e pensar por si próprias; uma educação “genuína” então começa. Quando a intimidade, interação e pensamento são demandas de estruturas externas, muitas pessoas apenas enfrentam, produzem e parecem ter as experiências que as estruturas são concebidas para possibilitar e apoiar. Em um nível mais profundo, entretanto, as estruturas podem oprimir aquilo para o qual sua existência deveria possibilitar.

Quando um indivíduo pode entrar em contato com seu próprio processo estruturante, então padrões emergem de uma forma que facilita a experiência pessoalmente sentida. Na Focalização uma pessoa refere-se diretamente e diferencia sua própria experiência. A Focalização é um processo de criação de estruturas (Gendlin, 1964). Por exemplo, quando uma pessoa seleciona um livro para ler com base em uma necessidade internamente sentida, o material lido forma um padrão. Esse padrão expressa a pessoa e facilita um processo de evolução intelectual de uma maneira que não é possível se essa pessoa meramente segue as exigências de outra. Muitas pessoas não sabem como diferenciar sua própria experiência, como estruturar com outras e como descobrir que seus verdadeiros sentimentos são ricos – e que guiam, de forma direta, a ação. “Estruturas de transição” são aquelas formas que ensinam as pessoas como se moverem da armadilha dos padrões socialmente impostos para a liberdade de criar novos formatos. Um grupo de Focalização é uma dessas estruturas de transição. Cada pessoa gera sua própria estrutura de interação através de um processo de auto-atenção interiorizada. Quando organizado através da Focalização, um processo único de grupo se desenvolve.

 

MÉTODO GRUPAL

Inicialmente o grupo pode ser um grupo de treinamento para aprendizagem da Focalização. Isso muda após algum tempo para um processo de grupo em andamento. O grupo o qual vou descrever encontrou-se semanalmente por duas horas durante um ano e meio. Em cada reunião havia entre 8 e 12 pessoas. O grupo era fechado (para manter seu tamanho), mas não havia acordo no sentido de uma participação regular; durante o estágio de treinamento somente eu me comprometi em estar presente em todas as reuniões. A pressão pela participação viola a intenção de uma estrutura que expresse uma necessidade interna. Faz com que isso se torne uma obrigação, mais uma tarefa. O objetivo do grupo é a Focalização – cada pessoa, silenciosamente, mas não sozinha. Um processo introvertido, individual acontece na companhia de outros (a maioria dos grupos demanda processos extrovertidos). O grupo é estruturado para facilitar a atenção das pessoas para seus próprios processos internos através do relaxamento, silêncio e Focalização. A cada pessoa são garantidas privacidade e segurança contra intervenções externas. Em meio a esse contexto, uma atenção plena ao processo interno pode começar. Mobilização para partilhar respostas (positivas ou negativas) com os outros (como geralmente fazemos em situações grupais) interfere na Focalização.

O grupo deve reunir-se em uma sala silenciosa, onde as pessoas possam estar confortáveis e sem incômodos. Nesse grupo as pessoas geralmente pegavam um colchonete e deitavam-se. Antes da Focalização eu dava instruções de relaxamento seguidas por um mínimo de 10 minutos de silêncio, o que é um tempo longo para partilhar silêncio em grupo. As pessoas dormiam, sonhavam, fantasiavam, pensavam, choravam à medida que elas se moviam sem nenhuma instrução ou resposta de mais ninguém.

Acontecia das pessoas chegarem, tirarem seus sapatos, deitarem-se e suspirarem com alívio: “este é o único lugar em toda minha semana onde eu posso chegar e ser eu mesmo, com outras pessoas, e não ter que interagir e ficar tenso. Eu posso ir para dentro de mim e ver – ter um tempo para captar o que está acontecendo comigo”. Simplesmente entrar na sala tornou-se uma experiência poderosa. O silêncio era um tempo no qual uma pessoa poderia desconectar-se do um ritmo acelerado do dia e encontrar sua sensação mais ampla de centro e equilíbrio.

Ao final dos 10 minutos, eu dava uma versão das instruções de Focalização. O facilitador pode dar as instruções padrão em cada reunião, também disponíveis em japonês, alemão e holandês (traduções de Gendlin, 1981) [também em português – veja nota[2]]; entretanto, como o objetivo da Focalização é permitir que novas simbolizações emirjam a partir da sensação imediata que uma pessoa tem de uma situação como um todo, parece ser preferível que esta capacidade seja modelável. Dentro de um padrão geral, o facilitador pode criar instruções renovadas de Focalização a cada vez. Isso ajuda os membros a sentir como eles podem criar suas próprias instruções – um processo mais poderoso do que o uso de instruções externamente derivadas. Para fazer isso, o facilitador do grupo precisa entender bem o processo de Focalização e não estar atado à formulação literal. As instruções padrão começam com “como eu estou agora?” Em lugar disso, próximo ao final do período de silêncio o facilitador pode perguntar-se internamente “quais questões abertas poderiam ajudar-me a sentir o todo da minha experiência imediata?”, e então esperar por uma questão que emirja. Pode perguntar-se novamente, em silêncio “qual instrução a seguir?” Assim, enquanto o facilitador dá as instruções em voz alta, ele mesmo pode segui-las. (Um dos objetivos do grupo é de que o facilitador focalize juntamente com os outros).

O restante da seqüência de questões surge de um processo específico. Por exemplo, se eu me percebo devaneando, digo “se vocês se perceberem seu pensamento devaneando, tragam-no gentilmente de volta”. Ou, se eu sinto algo no caminho de um sentimento, que atrapalhe sua mudança ou abertura, digo “perguntem-se: o que há no caminho para que esse sentimento mude ou se abra?” Uma pessoa pode generalizar qualquer instrução que surja de seu próprio processo. Se eu sinto algo triste, meu próximo passo pode ser perguntar-me, silenciosamente, “o que é essa tristeza?” Eu digo então, em voz alta, “perguntem-se agora: o que é esse sentimento com o qual estou trabalhando, o que há nele? Aguardem e vejam quais palavras ou imagens surgem desse sentimento” O conteúdo “tristeza” é meu. A questão geral formulada é uma instrução aplicável a qualquer sentimento.

O tempo para cada passo é regulado por quanto o facilitador leva para obter uma resposta corporalmente sentida para a questão formulada, mais o tempo para sentir a próxima instrução, mais 10 ou 20 segundos extras. Se ele emperra em um passo, então há uma longa pausa antes da próxima instrução. O processo completo de Focalização geralmente requer 20 ou 30 minutos – compostos amplamente de silêncio entre instruções faladas.

Uma vez que as instruções derivam-se do processo do facilitador, elas geralmente não são corretas para os outros, mesmo que haja típicos eventos e problemas na Focalização que provenham uma base para a partilha. À medida que os membros aprendem a focalizar, eles podem ignorar as instruções e formular as suas próprias ou seguir em seu próprio ritmo. Ainda assim, uma mínima estrutura de alguém dando instruções é importante. Também a profundidade do processo do facilitador ajuda a aprofundar o dos outros, especialmente em silêncio quando o ritmo de alguém se desacelera e a sensibilidade interna se aprofunda. A capacidade de introversão de uma outra pessoa é claramente sentida.

Estou insistindo em um princípio reflexivo aqui – o facilitador focalizando para formular instruções de focalização, e então focalizando a si mesmo à medida que dá as instruções. Uma estrutura nova é assim derivada do processo. O processo de ensinar Focalização exemplifica a Focalização.

Durante as instruções as pessoas geralmente choram, riem ou suspiram, enquanto o sentimento muda, se desprende ou muda. Este é o processo privado de cada pessoa e que não pede por resposta dos outros. Após as instruções, todos são convidados a dizer o que aconteceu com eles em cada passo. Isso é, ao mesmo tempo, dividir (o que acura a compreensão que uma pessoa tem daquilo que acabou de experienciar) e trabalhar dificuldades na Focalização.

Eis alguns exemplos de partilha, extraídos de sessões iniciais:

(1)  Eu me senti infeliz. Meu trabalho não me deixa seguir. Eu não pensava que nada bom poderia acontecer comigo esta noite porque eu estava tão tenso. Eu não conseguia relaxar durante o relaxamento. Quando você disse para perguntar “em que eu quero trabalhar” eu não sabia. Eu tentei pensar antes de vir no que eu queria trabalhar. Não consegui pensar em nada. Mas quando segui as suas instruções e perguntei a mim mesmo “em que eu quero trabalhar” o que veio foi “eu quero ser capaz de perguntar do que eu preciso!” Eu fiquei surpreso, mas foi bom chegar nisso. Então imediatamente três imagens de três situações nas quais eu preciso perguntar, e que sinto que não posso, me vieram. Então, quando você disse para perguntarmo-nos “o que precisa acontecer para que isso mude ou se abra” eu tentei pedir, em fantasia, pelo que eu precisaria em cada uma dessas situações. E você sabe o que aconteceu? Nada! Ninguém se aborreceu. Agora eu sinto que posso ir e tentar. Por exemplo, eu posso dizer que preciso encontrar-me com esta pessoa uma vez por semana em lugar de duas, pois isso é muito rápido para mim. As instruções vindas de fora foram muito importantes. Eu não conseguiria ter feito isso sozinho.

(2)  Havia palavras demais. Eu não ouvia as instruções. Fiquei com meu sentimento. Eu tive uma imagem do que, de fora, poderia fazer o sentimento mudar. Então, à medida que a imagem veio, lágrimas vieram. E então ansiedade – um desejo de que isso fosse embora. O sentimento começou em um lugar no meu corpo, no meu peito, e um aperto na garganta. Então as palavras vieram: “oh, é uma tristeza”. Eu passei um longo tempo sentindo aquela tristeza, nunca a senti como partes. Era um grande sentimento e então a imagem veio do que poderia muda-lo.

(3)  Minha mente ficava devaneando. Eu decidi focalizar minha respiração. Foi difícil chegar a algum sentimento. As instruções pareciam vagas demais. Quando você disse “permita-se ter uma sensação do problema como um todo”, aqui parecia vago. Eu não sabia como fazer isso.

(4)  Quando me perguntei “como estou agora”, me senti imediatamente ansiosa e com uma leve náusea. Então, quando você disse para deixar uma frase ou imagem formar-se a partir daquele sentimento, me senti como uma garotinha assustada querendo se esconder. Quando você disse para ver o que havia naquele sentimento ou imagem, eu não conseguia chegar a nada, pois havia muitas razões; eu não sabia o que conectar ao sentimento. Mas houve uma mudança nisso, foi bom ter chegado ao lugar onde eu realmente estava em vez desse espaço externo social.

Quando as pessoas partilham seus processos exatos, cada uma pode trabalhar com as suas próprias dificuldades. Uma pessoa pode criar exercícios simples para lidar com uma dada dificuldade através da Focalização: como discriminar uma sensação sentida de um problema, como deixar palavras e imagens formarem-se a partir dela. Por exemplo: o homem no exemplo (3) acima ainda não é capaz de obter uma sensação sentida do problema como um todo. Eu o ajudei a experienciar uma sensação sentida – pedi para todos que pensassem silenciosamente em suas mães, e que deixassem imagens e memórias a respeito dela virem à tona e que encontrassem, então, uma frase que fosse típica dela. Quando todos tinham suas frases, pedi a eles que se preparassem para encenar suas mães dizendo a frase, com seu tom de voz, gestos e sentimentos. Eu pedi, então, que dirigissem sua atenção a seus corpos e que observassem a qualidade holística que era perceptível ali: a sensação sentida de “mãe”. Uma sensação sentida como essa inclui um vasto número de aspectos implícitos daquilo que é relevante na vivência de uma pessoa, seja um evento, pessoa ou problema. (Exercícios específicos estão incluídos em Focusing [Gendlin, 1981], mas é preferível que o facilitador entenda a Focalização bem o suficiente para que possa desenvolver exercícios que tenham uma relevância diretamente relacionada com a dificuldade de cada um).

Os membros do grupo são encorajados a partilhar suas dificuldades específicas. “Aquilo que você disse – ‘deixe a sensação daquele problema como um todo surgir’- isso aconteceu... No terceiro passo, quando eu tentei deixar que uma imagem surgisse, nada aconteceu, somente um monte de velhos pensamentos ficaram girando na minha cabeça”. O objetivo é uma descrição com precisão interna. Descrever uma dificuldade com exatidão é, em si mesma, uma forma de Focalização. Envolve uma atenção à sensação da dificuldade e encontrar palavras que captem exatamente o problema a partir dela.

À medida que as pessoas aprendem a Focalização, a discussão posterior passa de ensinar para compartilhar. O tempo disponível é dividido pelo número de pessoas. Normalmente cada um tem cinco minutos e muito pode acontecer nesse tempo. Aqueles que querem dizer alguma coisa, dizem. Todos são livres para não usar o tempo. O facilitador pode refletir em um estilo centrado na pessoa, mas não há outra interação a não ser que a pessoa que esteja partilhando algo especifique um desejo específico de resposta. Cada pessoa que partilha algo é acolhida sem julgamento, simpatia ou argumentação. A norma não é ter que lidar com as reações das pessoas aos processos íntimos dos outros. Os membros do grupo são silenciosamente atentos. Quando algo está tentando emergir e ganhar um formato articulado em uma pessoa, ela geralmente prefere não ser interrompida por interferências externas. Os poucos minutos de uma pessoa pertencem inteiramente a ela, a salvo no contexto do grupo.

Este formato de não resposta por vezes é difícil para algumas pessoas. Entretanto, ajudar cada pessoa a se mover para dentro de seu processo interno com o apoio de outras que estão fazendo o mesmo é diferente do processo de um grupo interativo. Pessoas que necessitem de interação ativa podem participar simultaneamente de outro grupo se elas desejarem.

A teoria da Experienciação (Gendlin, 1964) pontua que nossa sensação sentida de um problema pode ser “carregada adiante” [ou avançar] através da permissão para que uma simbolização seja formada diretamente a partir dessa sensação corporalmente sentida. Tais simbolizações podem ser palavras, imagens ou ações. Por exemplo, nesse grupo eu formulei uma questão como base para uma ação para avançar o processo: “pergunte-se: ‘o que eu poderia fazer aqui, em meus poucos minutos, que pudesse ser um passo correto a respeito desse assunto... nesse assunto no qual estou focalizando?”.

Para ilustrar esse passo mais claramente, voltemos à sessão de aprendizagem individual da Focalização, citada na introdução. A terapeuta acompanhou o cliente através de várias rodadas de Focalização e agora está pedindo a ele que sinta o que é necessário para resolver o problema com os seus pais:

 

T1: OK, que tal perguntar-se “há algo que eu precise fazer para que isso fique bem?” Dê a você mesmo alguma distância disso, e tente não ter pensamentos demais ou manter isso só no campo do pensamento e idéias. Deixe o seu corpo obter uma sensação global de “há algo que eu precise fazer para que isso fique bem?”. Procure focar internamente nisso – à parte dos pensamentos [pausa] à parte dos processos mentais – e apenas tente obter uma sensação sentida global de “há algo que eu precise fazer para que isso fique bem?”. À medida que você experienciar isso, espere e veja o que surge... Veja o que surge dessa sensação de “há algo que eu precise fazer para que isso fique bem?”. [26 segundos].

Ajuste da linha

T1: Observe que T. está dirigindo a atenção de C. para uma sensação holística da situação e não simplesmente aos seus pensamentos a respeito do problema. C. não está sendo solicitado a resolver o problema da forma usual – racionalmente pensando a respeito de soluções possíveis. Em lugar disso, queremos que um passo de ação seja formado diretamente a partir da sensação corporal dessa pessoa a respeito da situação. O que de fato surge pode ser surpreendente e até mesmo um tanto irracional, pois o passo é formado por muitos aspectos funcionais implícitos. Essa sensação como um todo é muito maior do que aquilo que podemos pensar separadamente e com clareza em cada momento. (Mapear esse nível é central para a criatividade, conforme demonstrado por diversos estudos – veja Gendlin, 1967).

C1: OK. [Pausa]. Isso pode soar como um clichê, mas acho que preciso escrever uma carta para minha mãe; uma carta em conjunto, assinada por mim e pelo meu irmão.

C1: C. está em silêncio à medida que está atento ao menos a algo dessa sensação do todo. Repare como o passo que surge parece simples demais sob seu julgamento racional. Ele diz defensivamente: “isso pode soar como um clichê”.

T2: OK, quando você diz isso, como se sente? O que seu corpo sente quando você diz essas palavras?

T2: Aqui T. agradavelmente pede a ele que verifique se seu corpo, de fato, responde a esse passo ou se esse é apenas um pensamento. Se o passo de ação emergiu da sensação sentida do problema, o corpo, que carrega tal sensação, muda sutilmente. A pessoa suspira, sente um relaxamento da tensão e às vezes ri ou chora. Alguma sutil resposta involuntária do corpo acontece sinalizando um passo de um movimento vindo desse nível.

C2: Alívio. Pois eu acho que [suspiro] o único modo pelo qual o problema pode ser resolvido é através de uma comunicação muito clara, concisa e direta, da parte do meu irmão e da minha, explicando para a minha mãe em detalhes, se for necessário [suspiro], a natureza do problema, o que ela está fazendo e como contribui com isso. Se fizermos isso apropriadamente, se fizermos isso de modo bem pensado e com amor suficiente, com dignidade suficiente, esse pode ser o primeiro passo na direção da solução do problema.

C2: C. efetivamente relata um alívio, um sentimento corporal e suspira diversas vezes enquanto articula este passo mais avançado.

 

Obviamente este processo de cinco minutos é, como C. relata, apenas “o primeiro passo na direção da solução do problema”.

A maioria das pessoas não é familiarizada com esse nível de Focalização. A solução de problemas é geralmente restrita ao pensamento racional ou à busca de conselhos de outrem. O que está em questão aqui é o fato de que uma pessoa pode encontrar referência em sua própria sensação implicitamente complexa de uma situação problemática e, a partir dela, permitir que o próximo passo necessário possa emergir.

No formato grupal eram dadas instruções para que cada pessoa sentisse o que poderia fazer naquele momento e que consistiria em um próximo passo necessário em direção à resolução do problema. Então, no círculo onde eram partilhadas as experi6encias, cada pessoa era convidada a efetivamente empreender qualquer que fosse o passo de ação que havia surgido a partir da Focalização. Este é um procedimento poderoso e pode ser incluído rotineiramente. A seguir, alguns exemplos de ações para avançar o processo: criar e cantar uma canção; pedir a alguém uma massagem para relaxar um pescoço ou costas tensas; fazer posições de yoga por cinco minutos (em lugar de apenas querer, ela faria isso); ficar no tablado dando sermão; reclamar pelo poder e autoridade que ele sentia, mas que tinha vergonha de mostrar; virar de costas para nós e gritar para sua mãe sair de sua vida de modo a deixar-lhe um espaço para viver; romper em lágrimas e chorar sem palavras. Com ações como essas uma grande descarga acontece, pois quando alguém dá um passo de liberdade em sua vida, ele libera sentimento. À medida que uma pessoa se move experiencialmente – chora, ri, suspira fundo – o corpo relaxa e muda.

Em lugar de receberem sentenças de Conselheiros de Reavaliação para provocar descargas ou de terem pontos vitais pressionados de acordo com a avaliação de profissionais da Bioenergética, as pessoas desse grupo desenvolviam suas próprias sentenças para descarga, discriminavam onde elas sentiam necessidade de serem tocadas e assim por diante. Nem a forma e nem o conteúdo eram externamente impostos. Um passo de cada pessoa é único e emerge diretamente do processo de Focalização e estruturação da própria pessoa. Esta capacidade é uma dimensão de um processo de autocura. É terapeuticamente poderoso por ser gerado pela própria pessoa e por assistir os outros fazendo isso. Desenvolve-se um tremendo senso de coesão grupal e apoio mútuo.

Ao longo dos últimos meses de existência desse grupo, algumas pessoas focalizavam em como cada uma iria facilitar um grupo (este é outro exemplo do princípio reflexivo mencionado anteriormente). À medida que cada uma se sentia preparada, facilitava o grupo por algumas sessões, experimentando estruturas e instruções originais de Focalização. Alguns membros seguiram para organizar seus próprios grupos de Focalização em uma variedade de contextos e lugares, como no trabalho com pacientes de câncer, com professores em escolas, em aulas sobre criatividade, com clientes em terapia e com grupos de mulheres. O grupo parece não ter passado pelos estágios típicos do desenvolvimento grupal (Beck, 1974), ainda que os seus membros tenham se sentido mais próximos uns dos outros e tenham trabalhado em um nível profundo.

Pessoas com um baixo nível de experienciação (não focalizadoras) têm um prognóstico mais empobrecido em terapia. Tais pessoas podem se beneficiar muito de um grupo de focalização paralelo ou em pré-terapia, no qual elas poderiam ser gentilmente sensibilizadas em seus processos internos.

Em complemento ao ambiente terapêutico, este modelo de grupo pode ser apropriado para uso em uma ampla variedade de contextos, incluindo situações de trabalho nas quais são enfatizados o pensamento criativo, a habilidade de liderança e a resolução de problemas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Beck, A.P. (1974) "Phases in the developmental structure in therapy and encounter groups." C. Wexler and L. Rice (eds.) Innovations in Client-Centered Therapy. New York: John Wiley.

Gendlin, E.T. (1981) Focusing. New York: Bantam Books. (Focusing:Uitgeverij De Poorts, Amsterdam 1981; Fukumura Shappare, Tokyo 1981; Otto Muller, Salzburg, 1981.)

Gendlin, E.T. (1964) "A theory of personality change" in P. Worchel and D. Byrne (eds.) Personality Change. New York: John Wiley.
(Reprinted in A. Mahrer(ed.) Creative Development in Psychotherapy. Cleveland: Case-Western Reserve 1971;
Collected Papers: Nurase, T. (trans.) Tokyo, Muki, 1966;
Das Selbsterleben (Experiencing) in des Psychotherapie, Bommert Dahlhoff (Hrsg.), Munchen, 1978.)

Klein, M.H., P.L. Mathiew, E.T. Gendlin, and D.J. Kiesler (1970) The Experiential Scale: A Research and Training Manual. Madison: Psychiatric Institute. University of Wisconsin.

Murayama, S. (1979) "A note on focusing practice–a study of theory and practice of focusing (3)." Research Bull. Educ. Psychology 24 (Faculty of Education, Kyushu University).



 


1 Meus agradecimentos a Barbara Ritter pela permissão do uso de sua Gravação de Focalização.

2 Nota do tradutor: na versão original do texto não aparece a menção à tradução para a língua portuguesa, pois não existia na época. O leitor pode encontrar as instruções de Focalização na seção “Português” do site do Instituto de Focalização: http://www.focusing.org/6steps-portuguese.html